«Fecho os olhos, será mais uma noite sem dormir. Tenho tantos mortos a velar.» Nascida no sudoeste do Ruanda, Scholastique Mukasonga viveu uma infância já deveras perturbada pela instabilidade social do seu país, onde a violência de Hútus sobre Tútsis era constante.
Mas nada a prepararia para o horror que décadas depois viria a assolar o seu povo, a sua família. Desterro, humilhação constante, medo diário, terror organizado. Em suma, a agonizante espera «daquilo que ia suceder e ao qual nós não sabíamos dar o nome: genocídio.» Passaram exatamente trinta anos. «E eu sou a única a guardar a sua memória. É por isso que escrevo estas linhas», confessa nas páginas iniciais de Inyenzi ou As Baratas, o seu livro de estreia, finalmente publicado em Portugal, na coleção Contemporânea.
Ao todo, foram um milhão de vítimas que perderam a vida e o nome. Os restos mortais de todos eles nunca seriam encontrados. Onde estão eles? «De que serve contar e recontar os mortos», questiona esta obra considerada pelo The New York Times um dos 50 melhores livros de memórias dos últimos 50 anos. O livro já se encontra em pré-venda e estará disponível nas livrarias a 19 de setembro.
Autora multipremiada, já distinguida com o Prémio Simone de Beauvior para a Liberdade das Mulheres pelo conjunto da sua obra, Scholastique Mukasonga será convidada do próximo FOLIO – Festival Literário Internacional de Óbidos, subordinado ao tema «Inquietação», numa sessão agendada para 19 de outubro, às 18:00.
SOBRE O LIVRO
Quando uma mulher tútsi tomava conhecimento de que estava para ser mãe, a angústia arrasava-lhe a felicidade: sabia que, pelo formato do seu nariz, o aspeto do seu cabelo, o seu local de nascimento, aquele bebé estaria destinado a tornar-se, aos olhos do seu país, um Inyenzi – uma barata. Foi esta a designação dada aos tútsis do Ruanda durante décadas e foi com o argumento de que aquele povo mais não era que um inseto desprezível que a violência ganhou gradualmente rédea solta, até 1994, quando em cerca de cem dias perto de um milhão de pessoas foram brutalmente assassinadas. Entre elas, quase toda a família de Scholastique Mukasonga. Anos mais tarde, em França, Mukasonga vê-se rodeada por fantasmas que a impelem a escrever, a salvar do apagamento a história daqueles que já não a podem contar e a testemunhar como foi crescer constantemente entre o medo e o carinho extremos. Inyenzi ou as Baratas é um documento duro e enternecedor, uma carta de amor repleta de feridas impossíveis de sarar, uma memória pessoal que importa enfrentar coletivamente.
CRÍTICAS
«O livro extraordinário, lírico e comovedor de Mukasonga […] é de leitura indispensável para qualquer pessoa que se preocupe com a resiliência do espírito humano e que tenha esperança num mundo melhor.»
Los Angeles Review of Books (EUA)
«Ao contar sua história para o mundo, Scholastique Mukasonga fez do testemunho um ato de resistência e tornou-se mais que uma escritora, mas a guardiã da memória de um povo.»
Jornal Opção (Brasil)
«Inyenzi ou as Baratas é um terno trabalho de memória, uma resposta à questão sobre o que pode a linguagem narrar acerca de tais atrocidades.»
Göteborgs-Posten (Suécia)
«Por vezes, da sua horrível memória, Scholastique resgata algumas imagens virgens, uma manada de elefantes que atravessa a aldeia com uma nobreza indiferente, uma ronda noturna de leopardos, uma colheita de frutas na savana, uma festa clandestina regada a cerveja de banana. Como se, neste livro de prosa kafkiana, a sobrevivente de uma África fantasma quisesse aproximar-se uma última vez da infância que lhe foi negada e restabelecer o direito à vida que foi retirado aos seus. Eles repousam agora sobre a página em branco, onde o leitor os chora.»
Nouvel Observateur (França)
«A leveza da prosa de Mukasonga desafia a matéria da sua história.»
London Review of Books (Reino Unido)
SOBRE A AUTORA
Scholastique Mukasonga nasceu em 1956 na província de Guicongoro, no sudoeste do Ruanda. Tinha três anos quando aconteceram os primeiros massacres de tútsis e em 1960 a sua família foi deportada e fixada, juntamente com muitas outras, em Nyamata. Apesar de existir uma quota de apenas dez por cento para tútsis no ensino secundário, Mukasonga frequentou o liceu de Kigali e a escola de assistentes sociais em Butare. Depois de em 1973 os tútsis terem sido banidos das escolas, fugiu para o Burundi, onde completou os estudos e trabalhou na UNICEF. Em 1992 estabeleceu-se em França e em 2006 publicou o seu primeiro livro, Inyenzi ou as Baratas.