2024-01-12

Ser etnóloga de si própria

Livros do Brasil expande o catálogo de obras da Nobel Annie Ernaux na coleção Dois Mundos com a publicação, pela primeira vez em Portugal, do livro A Vergonha

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Quinze de junho de 1952. A primeira data precisa e certa da infância de Annie Ernaux. Foi nesse dia que a autora, então uma menina de 12 anos envergando um vestido azul de bolas brancas, viveu o pavor indizível de ver o pai ameaçar de morte a mãe com um podão de rachar lenha. Já mulher feita, no outono de 1996, decide escrever e refletir em público pela primeira vez sobre aquela cena transformadora, que nunca mais a abandonou.

A Vergonha é o resultado desse exercício de catarse. «A pior vergonha é acreditarmos que somos os únicos a experimentá-la», admite Ernaux nestas páginas. Simultaneamente assertiva e delicada, a autora assume-se de novo etnóloga de si própria, recuperando as suas memórias mais recalcadas sobre o ambiente familiar e aquele, não menos rígido e estratificado, vivido numa escola privada católica. Fotografias esquecidas, jornais antigos, canções e filmes de tempos passados ajudam-na/nos a completar o puzzle de uma época nesta narrativa de final desconcertante.

 

O livro já se encontra em pré-venda e estará disponível nas livrarias a 11 de janeiro.

 

SOBRE O LIVRO

«O meu pai quis matar a minha mãe num domingo de junho, ao começo da tarde.» É com esta frase que Annie Ernaux inicia a história de uma menina de doze anos, agora mulher, escritora e bem-sucedida, defronte dos ecos de uma recordação que marcaria para ela o fim da infância. Valendo-se da voz cativante da melhor literatura e do olhar analítico das ciências sociais, Annie Ernaux parte de vestígios concretos daquela época, fotografias, canções, livros e revistas, para convocar as sensações, os medos e anseios escondidos de uma jovem a quem ensinaram, acima de tudo, a evitar o que é malvisto. Esta é uma reflexão possante sobre o poder da memória e a forma como um só evento é capaz de alterar a consciência que se tem de si e do seu meio social. «A vergonha transformou-se, para mim, num modo de vida. No limite, já nem me apercebia dela, fazia parte do meu próprio corpo.»

 

SOBRE A AUTORA

Annie Ernaux nasceu em Lillebonne, na Normandia, em 1940, e estudou nas universidades de Rouen e de Bordéus, sendo formada em Letras Modernas. É atualmente uma das vozes mais importantes da literatura francesa, destacando-se por uma escrita onde se fundem a autobiografia e a sociologia, a memória e a história dos eventos recentes. Galardoada com o Prémio de Língua Francesa (2008), o Prémio Marguerite Yourcenar (2017), o Prémio Formentor de las Letras (2019) e o Prémio Prince Pierre do Mónaco (2021) pelo conjunto da sua obra, destacam-se os seus livros Um Lugar ao Sol (1984), vencedor do Prémio Renaudot, e Os Anos (2008), vencedor do Prémio Marguerite Duras e finalista do Prémio Man Booker Internacional. Em 2022, Annie Ernaux foi distinguida com o Prémio Nobel de Literatura.